Perspectiva do Projeto Tabuleiro Digital
Joseilda Sampaio de Souza
A Faculdade de Educação desde a década de 80 vem criando espaços e possibilidades de construção de competências na área de tecnologia, não apenas no que diz respeito à criação de disciplinas, mas, sobretudo na instalação de ambientes de formação e desenvolvimento da cultura digital. Nessa perspectiva o Grupo de Pesquisa em Educação Comunicação e Tecnologia (GEC) em conjunto com a Faculdade de Educação (FACED/UFBA) desenvolveram o projeto Tabuleiro Digital que tem como objetivo geral três campos de atuação: Inclusão sociodigital, educação e a utilização do Software Livre.
Este projeto, que se desenvolve dentro do espaço da própria faculdade, constitui-se num terminal de acesso livre a computadores conectados à Internet para estudantes, professores, funcionário e a comunidade em geral. É uma forma de tentar minimizar a exclusão digital, já que vivemos em um mundo tomado pelas tecnologias da informação, e acaba à margem do desenvolvimento social aquele que não tem a oportunidade de aprender a lidar com elas. Logo, a questão deixa de ser técnica e passa a ser social.
Nesse sentido, o projeto do tabuleiro visa atingir aquela parcela da população que não tem acesso a TICs, e a partir disso, segundo Nelson Pretto, poder oferecer aos filhos dos "pobres" o que os filhos dos ricos tem em casa.
O desenvolvimento do móvel específico para o projeto, que são simples bancadas para suportes de computadores, apresenta como diferencial a incorporação de elementos da cultura local.
A idéia de nomear esse projeto de "tabuleiro" vem da perspectiva de que, na Bahia, podemos encontrar um "tabuleiro de acarajé" em cada esquina, portanto a intenção do projeto é articular essas duas culturas. Nelson Pretto diz que " a Internet deve ser encarada como algo presente, que faça parte da vida diária de todos " [on line], ou seja, ela não deve ser encarada como algo de um futuro distante, e sim tem que estar presente em cada esquina, tal como o tabuleiro da baiana. E completa dizendo que a intenção é transformar o uso da Internet em algo corriqueiro, aproximá-la das pessoas e não limita-la a uma sala exclusiva.Quanto ao uso da Internet, Pretto explica que,
quando a Internet alastrou-se no mundo como um ambiente de comunicação confiável, ponto-a-ponto, bilateral e acessível até mesmo para indivíduos, a partir de suas residências, estabeleceu-se um ambiente global muito mais favorável as organizações em rede do que para as organizações verticais de comando, implicando, claro está, que para a sua viabilização de acesso a Internet como peça chave para que a população possa ter a possibilidade de organizar-se de modo horizontal. Nesse sentido, são de fundamental importância políticas públicas que garantam esse acesso, entendendo-o como urgente, o que implica pensarmos em soluções coletivas e públicas, e não apenas no caso individualizado na residência. (PRETTO, 2006, p.20)
Nesse mesmo sentido quanto ao acesso à máquina e possivelmente à Internet, encontramos por parte do Governo Federal projetos tal como "computador para todos", que de uma certa forma diz "possibilitar que a população que não tem acesso ao computador possa adquiri-lo, através de linhas de financiamentos". Porém Carlos Afonso diz que cerca de 31% das famílias brasileiras não se beneficiarão com programas de redução de preços de computadores, pelo simples fato que estas não têm nenhuma sobra em seu rendimentos para qualquer gasto adicional. Isso aponta a importância ainda maior de centros de acessos coletivos, como telecentros comunitários, redes de computadores em escolas e bibliotecas públicas, entre outros.
Com o objetivo de democratização do acesso, é que foi pensado e viabilizado o projeto do Tabuleiro Digital, sendo esta uma política de solução coletiva, que vem proporcionar o acesso rápido à Internet a estudantes da FACED e à comunidade não acadêmica que por aqui circula, atendendo as necessidades daqueles que não têm acesso em suas residências. Contudo, esse programa de Inclusão Digital, é mais do que ter um mero acesso à máquina, e sim é um exercício de cidadania na interação com o mundo da comunicação e informação.
Um outro ponto desenvolvido no projeto diz respeito ao uso do Software Livre, uma vez que torna-se complicado pensar numa iniciativa de universalização de acesso à tecnologia da informação sem associar a um compartilhamento de conhecimento.
Neste projeto buscou-se a montagem de um sistema baseado na lógica da REDE, em que o acesso ao mundo da comunicação e informação, principalmente para os futuros professores e professoras ocorra de forma plena. Se a lógica da REDE é compartilhamento de informação, o projeto começa compartilhando o conhecimento chave (o código fonte) dos softwares. Nesse sentido a combinação de software livre com o tabuleiro digital estabelece um resultado que permite um maior alcance dessa iniciativa de Inclusão Digital. A adoção da filosofia do Software Livre no projeto tem como base à liberdade de acesso ao código fonte, além de permitir o aprimoramento e adaptação da plataforma de Software Livre e também um compromisso político com a divulgação e utilização deste.
Através da inter-relação criada entre o Tabuleiro Digital e os princípios que definem o software livre foi possível adaptar uma solução já existente, o Debian GNU/Linux Kurumim. Para o funcionamento das máquinas em conjunto com essa solução tecnológica é usado um CD de inicialização que contem todo o software livre utilizado pelo tabuleiro. A máquina que dar suporte ao tabuleiro não permite nenhum tipo de armazenamento de dados permanente em seu hardware. A adoção desse modo de operação simplifica a manutenção dos equipamentos facilitando seu funcionamento sem maiores interrupções.
Além de proporcionar uma maior segurança e privacidade ao usuário do tabuleiro, pois, ao reinicializar a máquina será restaurado a configuração original e simultaneamente apagado quaisquer dados pessoais deixados por um possível usuário descuidado. Também para uma redução de custos, optou-se por não utilizar nenhum dispositivo de armazenamento interno (disco rígido - HD). Todo armazenamento (RAMDISK) e execução de programas serão feitos na memória RAM do tabuleiro, assim, basta reinicializar a máquina para que se obtenha a configuração original do terminal.
Quanto a questão da auto-organização para com os usuários, o projeto procura desenvolver dentro da Faculdade de Educação a democratização do uso das tecnologias. Portanto, a idéia fundamental do Tabuleiro é liberar o acesso para que a comunidade se auto-organize. O Tabuleiro não tem um "fiscalizador", pois o projeto não tem a intenção de seguir a lógica de "controle", que somos acostumados a vivenciar nos "tradicionais laboratórios de informática". A concepção de Inclusão para os desenvolvedores do projeto passa pela necessidade de desenvolvimento da cidadania de cada usuário quanto aos direitos e deveres na utilização de um bem público. Realizar inclusão digital requer de uma certa forma que aqueles que estão envolvidos no processo possam refletir sobre a democratização desses equipamentos para a comunidade. Para compreendermos melhor a lógica de funcionalidade do projeto, podemos associar o tabuleiro a um "banco de praça", em que cada um dos usuários administra o seu uso.
O projeto rompe, também, com a perspectiva de ser desenvolvido em um ambiente fechado tal como os laboratórios de informática, pois se novamente fizermos a associação ao tabuleiro da baiana, em que o cheiro do acarajé faz com que tenhamos vontade de comer os bolinhos, é nessa lógica que se desenvolve o projeto, visto que os locais escolhidos para instalação das máquinas foram às áreas de circulação da FACED. Dessa forma, nesse espaço público, os alunos e a comunidade não acadêmica podem interagir, pois este é um espaço público de socialização, totalmente desvinculada da sala de aula ou de qualquer disciplina. É por onde os alunos transitam entre uma aula e outra, ou onde param para conversar, e nesse "tempinho" podem acessar a Internet.
Outro ponto que podemos levantar sobre o não uso da lógica dos laboratórios, como defende Nelson Pretto, é que a intenção do projeto não é "pedagogizar o uso da Internet", tal como acontece nos laboratórios de informática presentes nas unidades da UFBA. Nestes, o uso é restrito para a utilização dos computadores somente para aulas, trabalhos e pesquisa e, principalmente, tem como regra de utilização das tecnologias as inúmeras proibições (proíbe-se acessar sala de bate-papo, MSN, orkut, etc e tal).
Portanto, o funcionamento do Tabuleiro é contrária a essa lógica, na medida em que este é um ponto de encontro para quem quiser usar a Internet, para o fim que cada sujeito desejar. Não existem proibições, ou até mesmo qualquer tipo de controle ou supervisão por parte de professores ou funcionários da instituição.
Bibliografia:
Cartilha do Software Livre. Disponível em: <
http://www.enec.org.br/twiki/pub/ENEC/Cartilhas/cartilha2.pdf>
PRETTO, Nelsom , PINTO, Cláudio. Tecnologias e novas educações. Revista Brasileira de educação [online]. 2006, vol. 11, no. 31. p. 19-30. Disponível em: <
http://www.scielo.br/pdf/rbedu/v11n31/a03v11n31.pdf>
No tabuleiro da baiana tem.... A tarde online. Disponível em:<
http://www.universia.com.br/html/noticia/noticia_clipping_babag.html>
Projeto Cidadão conectado- Computador para todos . Disponível em <
http://www.computadorparatodos.gov.br/projeto/index_html>
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JoseildaSampaioDeSouza - 13 Oct 2006