Maio: a maconha no centro do debate
Maio é o mês escolhido para a realização das Marchas da Maconha que, neste ano, tem um sentido especial: o reconhecimento da legalidade do evento pelo Supremo Tribunal Federal, embasado sobretudo em direitos garantidos constitucionalmente, como a liberdade de expressão e de reunião.
Entre uma das bandeiras levantadas pela marcha, está o uso medicinal da cannabis, uma planta com efeitos terapêuticos cientificamente comprovados, sobretudo, "como uma estratégia terapêutica de transição para a saída de drogas pesadas como o crack, a cocaína e a heroína", conforme registrou o neurobiólogo Renato Malcher, em evento no Congresso Nacional, no último dia 28.
Na mesma lógica de defesa da saúde pública, pode-se observar na página 248 da obra
"Toxicomanias: incidências clínicas e socioantropológicas" (
EdUfba? , 2009) uma nova possibilidade para a redução dos danos sociais gerados pela violência em torno do tráfico e dos danos à saúde ocasionados pela falta de controle de qualidade do produto comercializado ilegalmente. A proposta do autocultivo ou do cultivo para consumo pessoal, de acordo com o livro, é um "efetivo e eficaz mecanismo de redução de danos".
Censura e Retrocesso
Tendo em vista o interesse acadêmico e as conquistas sociais de espaços para o debate sobre a questão das drogas no país, um episódio ocorrido oportunamente neste mês de maio, vem na contra-mão destes avanços, o que só reforça necessidade de mais ampliação e aprofundamento no debate sobre o fenômeno do consumo de drogas.
O episódio foi a censura da obra acima mencionada - antes disponível no blog da Coordenação de Saúde Mental da prefeitura do Rio de Janeiro -, e que foi motivada pela pressão causada pela matéria
"Saúde do Rio defende uso de maconha", publicada no jornal carioca O Dia, no último sábado (11).
Isso só demonstra como ainda é necessário superar a lógica do medo, do terror às drogas, que representa um difícil obstáculo para o debate democrático, aberto e consciente.
Esta lógica, que também é a do preconceito, insiste em tentar neutralizar qualquer outra alternativa de enfrentamento à questão, além da já ineficaz "Guerra às Drogas", e não está presente só nos bastidores da imprensa brasileira, como também em boa parte dos segmentos sociais, inclusive o político.
A matéria “denuncia” equivocadamente a gestão municipal carioca, colocando a obra acadêmica indistintamente como um manual para o usuário. Talvez sem perceber, acabou por reforçar um modelo repressivo e excludente, que ignora décadas de avanços em estudos e pesquisas voltados à atenção integral à saúde de usuários de álcool e outras drogas, pautados no respeito ao paciente, no direito ao convívio social e à liberdade de escolha dos usuários.
Luta Antimanicomial
Por fim, é fundamental destacar que maio também é o mês em que se comemora o Dia Nacional da Luta Antimanicomial e, neste campo de militância, tem-se o lado bom da moeda, mais significativo até que a própria censura à obra: a reação da sociedade civil organizada, dos centros de pesquisa, dos grupos de direitos humanos e dos movimentos antimanicomiais.
As manifestações destes grupos, como a
nota de repúdio à matéria do Jornal O Dia, assinada por mais de dez entidades de todo o país, provam o quanto permanece vivo o espírito de militância daqueles que defendem o direito à cidadania dos usuários de álcool e outras drogas em nosso país.
Por fim, o incidente traz a lição do quanto ainda é preciso amadurecer a visão social sobre o fato de que somente sem as travas do moralismo, do medo e do preconceito pode-se dar um passo adiante para o enfrentamento da complexa questão do uso de álcool e outras drogas.